Corrupção não é o problema

Publicado em 19/03/2025

Corrupção não é o problema

A discussão sobre os problemas estruturais da sociedade costuma esbarrar sempre na mesma resposta clichê: "o problema é a corrupção". Esse argumento, repetido à exaustão por liberais, conservadores e até mesmo por setores da esquerda autoritária, nos leva à ilusão de que tudo poderia ser resolvido apenas se "as pessoas certas" chegassem ao poder. Esse raciocínio tem um nome: "a teoria do grande homem", a crença de que basta um líder virtuoso para guiar a sociedade para um futuro melhor. Mas a realidade nos mostra outra coisa.

Liberais argumentam que precisamos apenas de normas sociais mais progressistas e de políticos que representem essas pautas. Conservadores dizem que a decadência moral e o afastamento de valores tradicionais são o verdadeiro problema. A esquerda autoritária afirma que um partido de vanguarda ideologicamente puro é necessário para guiar o proletariado sem desvios revisionistas. Apesar das diferenças de abordagem, todos esses grupos partem da mesma premissa: o sistema é funcional, só precisamos das "pessoas certas" para ocupá-lo.

A visão anarquista: a estrutura é o problema

Os anarquistas rejeitam essa premissa. A corrupção não é um acidente dentro do sistema político; é uma consequência inevitável de sua própria estrutura. O poder hierárquico é, por natureza, frágil diante da infiltração de atores corruptos. Mais do que isso, a própria existência de hierarquias cria um ambiente que seleciona e reforça aqueles que buscam acumular poder, independentemente de sua intencionalidade inicial.

Sempre que alguém assume uma posição de poder, essa pessoa ganha a capacidade de moldar o funcionamento do sistema em favor de seus próprios interesses ou dos interesses de um pequeno grupo. Isso significa que mesmo quando um "bom governante" chega ao poder, basta que um "mau governante" o suceda para que todo o progresso seja revertido rapidamente. O próprio sistema de hierarquia incentiva comportamentos predatórios e autoritários.

O problema da acumulação de poder

Hierarquias são projetadas para concentrar poder nas mãos de poucos. Isso cria um sistema de incentivos que favorece aqueles que buscam ampliar seu controle, promovendo a ascensão de indivíduos dispostos a manipular, enganar e reprimir os que estão abaixo deles. Não importa se há dentro do sistema um grupo que tenta "seguir as regras"; eles sempre perderão espaço para aqueles que não têm escrúpulos em manipulá-lo.

As instituições não são neutras. O sistema político e econômico, da forma como é estruturado, garante que os "acumuladores de poder" sempre tenham vantagens. A estrutura hierárquica impede que haja mecanismos reais de responsabilização, pois quanto mais alto se está na cadeia de comando, menos prestável às massas se torna aquele que detém o poder.

O mito da reforma e da governança justa

A ideia de que basta reformar o sistema para barrar a corrupção é um delírio. Os "bonzinhos" que tentam seguir as regras serão sistematicamente eliminados ou marginalizados por aqueles que entendem o jogo político como uma disputa de poder sem limites.

Isso explica por que políticos autoritários frequentemente chegam ao topo, enquanto reformistas são engolidos ou se tornam impotentes. Não se trata de uma questão moral ou de má-fé individual, mas de uma dinâmica estrutural inerente à existência da própria hierarquia.

Horizontalidade como alternativa

A solução anarquista não está em "colocar as pessoas certas no poder", mas sim em abolir as próprias hierarquias e redistribuir o poder de forma horizontal. A lógica da hierarquia sempre será explorada pelos piores indivíduos, enquanto um sistema horizontal minimiza os danos que esses indivíduos podem causar.

Não se trata de utopia. Sistemas horizontais podem ser manipulados por demagogos, sim, mas diferentemente dos sistemas hierárquicos, não oferecem a esses indivíduos um caminho rápido para concentração de poder. Num sistema horizontal, um líder carismático precisa persuadir, convencer, negociar e manter o apoio constante de grandes coletivos para exercer qualquer tipo de influência. Em um sistema hierárquico, basta vencer uma eleição ou assumir um cargo estratégico.

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