Encontrar Sentido Num Mundo Sem Fins
Viktor Frankl (1905-1997) sobreviveu a quatro campos de concentração nazistas e, das cinzas, cunhou a Logoterapia: uma psicoterapia centrada na busca de sentido como força vital.
Enquanto a psicologia mainstream vende a autoajuda da “felicidade de Instagram” e o cognitivo-comportamental é reciclado como treinamento corporativo, a obra de Frankl mantém um brilho estranho: ela insiste que o ser humano não é máquina de prazer nem de poder—é um animal faminto de significado.
2. A Ética da Responsabilidade Contra o Niilismo de Shopping
Frankl escreveu que “Entre o estímulo e a resposta existe um espaço. Nesse espaço reside a nossa liberdade e o significado do nosso crescimento.”
Essa ideia resgata a agência em um planeta massacrado por algoritmos que preveem cada clique. Porém:
- Responsabilidade sem contexto vira culpa: o capital adora culpar o indivíduo pelo sofrimento que ele mesmo produz estruturalmente—vide “empreendedorismo da depressão”.
- Liberdade esvaziada é vitrine: se o “espaço” citado por Frankl é colonizado por publicidade, a tal liberdade vira escolha entre marcas, não entre modos de existência.
Análise:
O “vazio existencial” que Frankl viu crescer após a II Guerra floresceu em solo fértil: alienação no trabalho, atomização urbana, espetáculo midiático.
A Logoterapia, lida às pressas, pode virar pomada ideológica que cicatriza, mas não fecha a ferida: o buraco estrutural da exploração.
3. Frankl e a Ética do Sofrimento: Dois Fios da Navalha
Face Emancipadora
- Transformar dor em propósito
Reconhecer o sofrimento e convertê-lo em ação solidária — apoiar presos políticos, organizar greves, levantar fundos para quem resiste. - Testemunho contra a barbárie
Usar a memória dos campos nazistas como prova viva da urgência de destruir todo autoritarismo.
Face Perigosa
- Glorificar a resiliência individual
Naturalizar condições de vida desumanas com o discurso do “se vira que passa”, empurrando a culpa para o oprimido. - Mitificação do martírio
Romantizar o “sofrer em silêncio” e, assim, desativar a luta coletiva necessária para mudar as estruturas.
A chave libertária é coletivizar o sentido: não basta suportar o absurdo—é preciso abolir quem o cria.
4. Logoterapia & Mutual Aid: Ferramentas Compatíveis?
- Autotranscendência: Frankl propõe que o ser humano se encontre ao se engajar em algo maior. Tocamos aqui no coração libertário: ação direta, apoio mútuo e criação de mundos livres são fontes de sentido concretas, não metafísicas.
- Vacío existencial: Em vez de remediá-lo com consumo, preenchemos com comunidade e autogestão.
- Responsabilidade: não frente a um Estado-Deus ou mercado, mas aos nossos companheiros de luta e às gerações futuras.
Assim, a Logoterapia deixa de ser terapêutica de “alta performance” e se torna pedra na funda contra Golias.
5. Crítica Final: Onde Frankl Falha Para Nós
- Cegueira de Classe: Frankl fala do indivíduo em abstrato; ignora como classe, raça e gênero moldam (e bloqueiam) o acesso ao sentido.
- Neutralidade Política: sua defesa de “valores universais” pode soar pacificadora demais. Quando a bota pisa em sua cara, não basta reinterpretar a dor—é preciso arrancar a bota.
- Vocabulário Existencialista: útil, mas às vezes escorrega para moralismo religioso—nem todos queremos “encontrar Deus”, alguns querem incendiar palácios.
6. Conclusão: Hackeando Frankl Para a Revolução
A Logoterapia oferece uma arma de dupla lâmina. Empunhada corretamente, ajuda a transformar angústia privada em combustível para a solidariedade rebelde. Mal usada, vira curativo de boutique que mascara a violência sistêmica.
Portanto, nossa tarefa é:
- Recusar o niilismo comodificado — Sentido não é produto na prateleira.
- Coletivizar a busca existencial — Funda-la em práticas de ajuda mútua, ocupações, hortas urbanas, hacklabs livres.
- Manter a faca afiada da crítica — Quando a Logoterapia for cooptada como coaching de produtividade, jogamos tinta vermelha no outdoor.
Em última instância, Frankl nos lembra que o ser humano precisa de um “porquê” para suportar qualquer “como”. A nós cabe garantir que esse “porquê” não seja lucrar para acionistas, mas rasgar o contrato social da opressão e, no processo, encontrar alegria e sentido em construir o caos criativo de um mundo livre.
“Quem tem um porquê pelo qual viver pode suportar quase qualquer como.”
—Nietzsche via Frankl, parafraseado por nós, com os punhos erguidos.