Albert Bandura sob uma Lente Anarquista: Aprendizagem, Controle Social e o Mito da Autonomia

Albert Bandura é uma figura incontornável na psicologia moderna. Suas teorias sobre a aprendizagem social, a autoeficácia e o modelamento do comportamento moldaram parte significativa da educação, da psicoterapia e até das estratégias de propaganda corporativa.

Bandura, ao contrário dos behavioristas clássicos, reconheceu a importância da cognição na aprendizagem. Não somos apenas produtos de reforços externos; observamos, imitamos, internalizamos. Há liberdade? Há agência? Talvez. Mas, numa sociedade capitalista e hierárquica, essas mesmas capacidades se tornam armas contra nós mesmos. Bandura forneceu, ainda que sem intenção explícita, o manual para uma forma mais sofisticada de controle social.

A Teoria da Aprendizagem Social: Entre a Libertação e o Adestramento

A teoria da aprendizagem social afirma que aprendemos principalmente pela observação dos outros — seja ao vivo, através da mídia ou por relatos simbólicos. Comportamentos, valores e crenças se espalham como fogo em palha seca.

Bandura mostrou que a sociedade é o espelho onde moldamos nossa identidade. Mas o que acontece quando esse espelho é controlado por quem detém o poder?

  • Na escola: aprende-se a obedecer.
  • No trabalho: aprende-se a aceitar a exploração.
  • Na mídia: aprende-se a consumir e se resignar.

A aprendizagem social, num mundo livre, poderia ser ferramenta de solidariedade e autoformação. No mundo real, é o mecanismo que internaliza a autoridade, o consumo, o medo.

Aprender por observação é revolucionário em potência, mas, sob hierarquias, se torna instrumento de adestramento.

Autoeficácia: Autonomia ou Culpabilização?

Outro conceito central em Bandura é a autoeficácia — a crença na própria capacidade de realizar tarefas e enfrentar desafios.

À primeira vista, isso soa profundamente libertador: acreditar em si mesmo é essencial para qualquer prática de emancipação. Contudo, inserido numa sociedade capitalista, o discurso da autoeficácia facilmente vira uma arma ideológica:

  • Se você não conseguiu, a culpa é sua.
  • Se é pobre, é porque não se esforçou.
  • Se está doente, é falta de atitude positiva.

A estrutura opressora desaparece do mapa. O fracasso é privatizado. A miséria é moralizada. Bandura, ao enfatizar a agência individual, abriu portas para uma psicologia que, muitas vezes, absolve o sistema e culpa as vítimas.

Moralidade e Modelagem: As Células Invisíveis

Em seus estudos sobre a desinibição moral, Bandura explicou como pessoas comuns podem cometer atrocidades se a autoridade legitima o ato ou se as vítimas são desumanizadas.

Para o anarquismo, isso é uma evidência crucial: as grades mais fortes não são feitas de ferro, mas de crenças.

Os sistemas de dominação (Estado, Igreja, Mercado) não precisam apenas de força bruta — precisam de mentes treinadas para obedecer, odiar e justificar o injustificável. A teoria de Bandura, quando lida criticamente, mostra como o condicionamento moral pode ser manipulado para criar exércitos de obedientes inconscientes.

Bandura e o Poder: Um Instrumento Ambivalente

Bandura não era um libertário. Não propunha a abolição das hierarquias. Suas teorias são descritivas, não normativas. Contudo, um olhar anarquista revela que:

  • A aprendizagem social pode ser a via para a reprodução do poder — ou sua destruição, se a prática for libertadora.
  • A autoeficácia pode ser uma alavanca de emancipação coletiva — ou um mecanismo de opressão psicológica.
  • A modelagem moral pode ser usada para criar soldados do Estado — ou para construir redes de solidariedade insurgente.

O que determina o uso desses mecanismos é o contexto político e social. Sob o capitalismo, Bandura é frequentemente usado para vender resiliência ao invés de revolta.

Conclusão: De Bandura à Rebeldia

Não há aprendizado neutro. Toda aprendizagem é atravessada por relações de poder.

O que Bandura descreveu — o modo como aprendemos observando, imitando e internalizando — é a prova de que a revolução também é possível. Se o autoritarismo é aprendido, a liberdade também pode ser.

Se há algo que um anarquista pode tirar do estudo de Bandura, é o entendimento de que mudar o mundo exige mais do que denunciar o poder: exige criar práticas sociais libertadoras, onde o exemplo e a ação direta moldem novas formas de ser, de pensar e de viver.

Em vez de reforçar a submissão, que a aprendizagem seja um ato de insurreição.

Aprendamos a ser ingovernáveis.


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