A sociedade ama rótulos. Eles facilitam a ilusão de que o caos político pode ser ordenado em caixinhas bem definidas. "Esquerda" e "direita" são dois dos termos mais usados para descrever posições políticas, mas são também os mais vazios de significado real. No final das contas, são apenas construções discursivas utilizadas para reforçar o controle sobre nossas mentes e perpetuar estruturas de domínio.
Quantas pessoas, neste exato momento, estão deslocadas? Quantas buscam refúgio em outro país, emprego em outra terra, fugindo da violência, da miséria, do colapso climático ou de guerras causadas pelos interesses dos mais ricos? Quantas foram obrigadas a partir porque suas casas, suas terras e seus meios de subsistência foram saqueados por corporações e governos imperialistas?
O número é esmagador: mais de 1 bilhão de migrantes no mundo. Desses, 80 milhões são deslocados à força, incluindo 45,7 milhões que permanecem dentro de seus próprios países, mas sem acesso a um lar seguro. Aproximadamente 45% dos deslocados são menores de 18 anos. Se a população mundial gira em torno de 7 bilhões, isso significa que 1 em cada 7 pessoas no planeta é um migrante.
Para se ter uma noção do impacto, há mais migrantes na Terra do que a população combinada dos Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Japão. No entanto, a resposta dos países mais ricos a essa crise tem sido construir muros e endurecer suas fronteiras, enquanto continuam explorando os países dos quais essas pessoas fogem.
A questão do que é certo e errado não é apenas um debate filosófico abstrato – ela define como vivemos e lutamos no mundo. A ética não é uma torre de marfim onde intelectuais debatem termos vazios, mas um campo de batalha onde diferentes valores entram em conflito, moldando decisões sobre guerra, desigualdade, exploração e resistência.
O capitalismo nos ensinou a acreditar que mudança só vem por vias "civilizadas": voto, protesto pacífico, petição online. Mas e quando o sistema é tão podre que palavras não bastam? É aí que entra a Propaganda pelo Ato – a ideia de que ações diretas, muitas vezes radicais, podem incendiar a consciência coletiva e abrir caminho para a revolução.
Vivemos sob o domínio de um sistema que nos ensina a temer nossos próprios afetos. O capitalismo, em sua ânsia por controle e eficiência, nos quer disciplinados, produtivos, racionais. Nos quer engrenagens de uma máquina, não seres humanos vibrantes, emocionados, afetados uns pelos outros. E isso não é de hoje. Há séculos, a lógica ocidental tem tentado submeter as paixões à razão, criando uma dicotomia entre pensamento e sentimento, mente e corpo, masculinidade e feminilidade.
No pensamento libertário e anarquista, desfazer-se de dogmas e estruturas opressivas é essencial. Guilherme de Occam, filósofo e teólogo do século XIV, trouxe uma ferramenta filosófica que se mantém atual: a Navalha de Occam, princípio que afirma que as entidades não devem ser multiplicadas além da necessidade. Em outras palavras, entre duas explicações igualmente eficazes, a mais simples deve ser preferida.
O capitalismo não é apenas um sistema econômico. É uma máquina de moer corpos e forjar subjetividades doentes. Exaustão e ansiedade não são desvios – são efeitos colaterais estruturais de uma lógica que exige rendimento infinito, produtividade sem limites e autoexploração disfarçada de liberdade.
Vivemos sob um regime onde o poder não mais proíbe – exige. Não mais castiga – motiva. A frase “Yes, we can!”, que antes carregava promessas de emancipação, virou um imperativo cruel: se você não consegue, a culpa é sua.
O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, em Sociedade do Cansaço, nos mostra que deixamos para trás a sociedade da disciplina – do “não pode!” – e entramos na era da positividade, onde nasce o sujeito de desempenho: alguém que não é mais dominado por outro, mas por si mesmo. Somos ao mesmo tempo o chefe e o capataz, o explorador e o explorado. E quando colapsamos, quando não damos conta, ainda nos culpamos por isso. A isso, Han chama de violência neuronal – uma forma de violência que não vem de fora, mas brota de dentro de nós mesmos.
No início do século XIX, Mikhail Bakunin, um dos pensadores mais radicais e provocadores do anarquismo, já alertava sobre as promessas não cumpridas da democracia representativa e do sufrágio universal. Em seu texto A Ilusão do Sufrágio Universal, Bakunin desmonta a ideia de que o voto e a participação em eleições são capazes de garantir a liberdade e a justiça social. Para ele, o sufrágio universal é uma ilusão que, longe de emancipar o povo, acaba por reforçar as estruturas de dominação e opressão.
O anarquismo, muitas vezes mal compreendido e distorcido, é frequentemente associado ao caos, à desordem e à violência. No entanto, como Edgar Rodrigues destaca em seu texto Anarquismo à Moda Antiga, essa visão é fruto de uma profunda ignorância e de uma campanha de desinformação que busca descredibilizar uma das filosofias mais humanistas e igualitárias já concebidas. O anarquismo não é uma utopia ingênua, nem uma catástrofe iminente; é uma proposta concreta de organização social baseada na liberdade, na solidariedade e na igualdade.
Nos vendem a ilusão de que podemos ser tudo. "Se esforce e conquiste!" dizem. Mas, quando nos deparamos com a realidade, percebemos que não seremos um novo Steve Jobs, uma estrela do rock ou um líder revolucionário aclamado por multidões. Então, o que fazemos? Paramos. Travamos. Procrastinamos.
A cultura do capitalismo tardio enfiou na nossa cabeça que, se não somos os melhores, então não valemos nada. Mas essa é uma lógica cruel, construída para nos manter frustrados e alienados, sempre buscando uma perfeição inatingível e nos sentindo incapazes. O capitalismo cria ícones inalcançáveis – gênios, milionários, artistas prodígios – e nos força a comparar nossas vidas ordinárias com esses mitos. E, quando falhamos nessa comparação, nos paralisamos.