A crítica anarquista à tomada do poder estatal é frequentemente caricaturada como uma oposição moral abstrata ao Estado, ignorando as realidades concretas do mundo em que vivemos. No entanto, uma leitura atenta dos clássicos anarquistas revela que sua oposição à tomada do poder estatal era baseada em razões profundamente pragmáticas: o Estado é um meio impróprio para alcançar os objetivos revolucionários.
Os anarquistas compreendem a sociedade como o resultado da interação entre seres humanos, suas consciências e suas atividades. Quando trabalhadores entram em greve, por exemplo, eles não apenas lutam por melhores condições, mas também transformam a si mesmos e suas relações sociais. Eles aprendem a se auto-organizar, desafiam a autoridade dos patrões e constroem laços de solidariedade. Isso está alinhado com a teoria da práxis, uma perspectiva compartilhada por anarquistas e marxistas.
A partir dessa perspectiva, há uma conexão intrínseca entre meios e fins. O objetivo final do anarquismo é uma sociedade sem classes, sem Estado, baseada na autogestão dos trabalhadores e na propriedade coletiva dos meios de produção. Essa sociedade será sustentada através da organização descentralizada em conselhos locais e federações regionais, onde todas as decisões serão tomadas democraticamente pela base.
Se queremos que essa sociedade surja, precisamos utilizar meios que ajudem a criar as condições humanas e sociais para tal. Se adotarmos meios errados, criaremos uma realidade oposta ao nosso objetivo. Como afirmou Malatesta: "É preciso, entretanto, que os meios empregados para a obtenção dessas melhorias não estejam em contradição com a sua finalidade, isto é, que não impliquem, nem indiretamente, no reconhecimento da presente ordem de coisas por nós condenada e possam preparar a estrada do futuro".
Quando Alexis de Tocqueville publicou Democracia na América em 1835, sua intenção não era apenas louvar o modelo democrático dos Estados Unidos, mas também expor suas contradições e seus perigos. Diferente dos liberais otimistas, Tocqueville percebeu que a democracia burguesa não era apenas um sistema de igualdade política, mas também um terreno fértil para novas formas de opressão. Ele identificou cinco problemas centrais, que continuam ressoando no presente, especialmente na fusão entre democracia e capitalismo.
Sigmund Freud desafiou a medicina tradicional ao propor que as doenças mentais não eram apenas degenerações físicas ou delírios sem sentido, mas sim expressões reprimidas do inconsciente. Em Cinco Lições sobre a Psicanálise, Freud desmistifica a loucura, rejeitando a visão opressiva que isolava os "alienados" em prisões e hospícios.
O inconsciente, essa força invisível que molda nossos desejos e medos, desafia a ideia de que somos plenamente racionais. Freud mostra que as repressões sociais e morais empurram impulsos para as sombras da mente, onde se manifestam como sintomas neuróticos. E o que isso tem a ver com libertação? Tudo. Porque compreender a psicanálise é também compreender como as normas e as estruturas de poder condicionam nossos pensamentos e desejos.
A discussão sobre os problemas estruturais da sociedade costuma esbarrar sempre na mesma resposta clichê: "o problema é a corrupção". Esse argumento, repetido à exaustão por liberais, conservadores e até mesmo por setores da esquerda autoritária, nos leva à ilusão de que tudo poderia ser resolvido apenas se "as pessoas certas" chegassem ao poder. Esse raciocínio tem um nome: "a teoria do grande homem", a crença de que basta um líder virtuoso para guiar a sociedade para um futuro melhor. Mas a realidade nos mostra outra coisa.
Liberais argumentam que precisamos apenas de normas sociais mais progressistas e de políticos que representem essas pautas. Conservadores dizem que a decadência moral e o afastamento de valores tradicionais são o verdadeiro problema. A esquerda autoritária afirma que um partido de vanguarda ideologicamente puro é necessário para guiar o proletariado sem desvios revisionistas. Apesar das diferenças de abordagem, todos esses grupos partem da mesma premissa: o sistema é funcional, só precisamos das "pessoas certas" para ocupá-lo.
A sociedade ama rótulos. Eles facilitam a ilusão de que o caos político pode ser ordenado em caixinhas bem definidas. "Esquerda" e "direita" são dois dos termos mais usados para descrever posições políticas, mas são também os mais vazios de significado real. No final das contas, são apenas construções discursivas utilizadas para reforçar o controle sobre nossas mentes e perpetuar estruturas de domínio.
Quantas pessoas, neste exato momento, estão deslocadas? Quantas buscam refúgio em outro país, emprego em outra terra, fugindo da violência, da miséria, do colapso climático ou de guerras causadas pelos interesses dos mais ricos? Quantas foram obrigadas a partir porque suas casas, suas terras e seus meios de subsistência foram saqueados por corporações e governos imperialistas?
O número é esmagador: mais de 1 bilhão de migrantes no mundo. Desses, 80 milhões são deslocados à força, incluindo 45,7 milhões que permanecem dentro de seus próprios países, mas sem acesso a um lar seguro. Aproximadamente 45% dos deslocados são menores de 18 anos. Se a população mundial gira em torno de 7 bilhões, isso significa que 1 em cada 7 pessoas no planeta é um migrante.
Para se ter uma noção do impacto, há mais migrantes na Terra do que a população combinada dos Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Japão. No entanto, a resposta dos países mais ricos a essa crise tem sido construir muros e endurecer suas fronteiras, enquanto continuam explorando os países dos quais essas pessoas fogem.
O capitalismo não é apenas um sistema econômico. É uma máquina de moer corpos e forjar subjetividades doentes. Exaustão e ansiedade não são desvios – são efeitos colaterais estruturais de uma lógica que exige rendimento infinito, produtividade sem limites e autoexploração disfarçada de liberdade.
Vivemos sob um regime onde o poder não mais proíbe – exige. Não mais castiga – motiva. A frase “Yes, we can!”, que antes carregava promessas de emancipação, virou um imperativo cruel: se você não consegue, a culpa é sua.
O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, em Sociedade do Cansaço, nos mostra que deixamos para trás a sociedade da disciplina – do “não pode!” – e entramos na era da positividade, onde nasce o sujeito de desempenho: alguém que não é mais dominado por outro, mas por si mesmo. Somos ao mesmo tempo o chefe e o capataz, o explorador e o explorado. E quando colapsamos, quando não damos conta, ainda nos culpamos por isso. A isso, Han chama de violência neuronal – uma forma de violência que não vem de fora, mas brota de dentro de nós mesmos.
O fascismo nunca desapareceu – ele apenas trocou as botas por ternos bem cortados. No capítulo 3 de Antifa: O Manual Antifascista, o historiador Mark Bray analisa como a extrema-direita se adaptou aos tempos modernos, abandonando o estereótipo do skinhead violento e assumindo uma postura mais "respeitável". Agora, os fascistas não marcham apenas nas ruas – eles ocupam cadeiras no parlamento, manipulam a mídia e espalham sua ideologia através de intelectuais e influenciadores.
Mas se o fascismo mudou de tática, o antifascismo também precisou evoluir. O que antes era um enfrentamento direto contra gangues neonazistas agora se tornou uma luta contra partidos políticos, think tanks e figuras públicas que, sob o disfarce de conservadorismo e nacionalismo, promovem o mesmo discurso de ódio, racismo e autoritarismo.
A ideia de que um local de trabalho precisa de um chefe para funcionar é um mito profundamente enraizado na sociedade capitalista. Mas será que realmente precisamos de uma estrutura hierárquica para que as coisas sejam feitas? A resposta do anarquismo é um enfático "não". Em vez disso, propomos um modelo de democracia no local de trabalho, onde as decisões são tomadas coletivamente pelos próprios trabalhadores. Vamos entender como isso funciona na prática.
Vivemos em uma sociedade que nos ensina, desde cedo, que ser homem significa ser forte, inabalável, impenetrável. A masculinidade é vendida como um pacote fechado, onde não há espaço para fraqueza, para vulnerabilidade, para algo que se aproxime daquilo que nos torna humanos. E o resultado disso? Homens solitários, incapazes de construir laços verdadeiros, aprisionados em suas próprias muralhas emocionais.
Sim, existem exceções. Existem companheiros que desafiam essa norma, que sabem o que é intimidade, que constroem relações de camaradagem e afeto. Mas sejamos realistas: a amizade entre homens, da forma como deveria ser – genuína, profunda, baseada na partilha de dores e sonhos –, é um fenômeno raro. Para cada homem que pode dizer que tem um verdadeiro amigo, há pelo menos oito que, no fundo, sabem que não têm.
Isso não é um fracasso individual. Não é sobre um ou outro ser menos capaz de se conectar. É um sintoma de algo maior, um reflexo direto de um conflito estrutural: o que a sociedade exige que um homem seja está em contradição com o que é necessário para cultivar uma amizade autêntica.