Esta obra, escrita sob as sombras da Segunda Guerra Mundial e do horror nazifascista, é um dos ataques mais ferinos e densos contra a racionalidade dominante que já foram produzidos no século XX.
Publicado em 01/08/2025
A tradição da Teoria Crítica, inaugurada pela Escola de Frankfurt, legou ao pensamento radical um diagnóstico insuperável das patologias da modernidade. Desde a sua formulação programática, ela assumiu um compromisso explícito com a emancipação humana — a busca por uma sociedade livre da dominação. Contudo, esse mesmo rigor analítico a conduziu a um impasse filosófico, uma aporia que limitou sua capacidade de articular uma práxis transformadora concreta.
O cerne dessa paralisia reside na "Dialética do Iluminismo". Adorno e Horkheimer observaram um paradoxo aterrador: o projeto iluminista, que visava libertar a humanidade da superstição através da Razão, forjou, ao contrário, novas e mais eficientes formas de barbárie. A origem dessa tragédia foi localizada na relação primordial de dominação da humanidade contra a natureza. Para sobreviver, a espécie desenvolveu uma atitude objetificadora, uma "razão instrumental" focada unicamente no cálculo, controle e dominação. O problema, como a história demonstrou, é que essa lógica não se limita a rios e florestas; ela se volta para dentro, transformando-se em dominação social. A razão, despojada de valores, torna-se uma mera ferramenta para atingir fins, quaisquer que sejam. Nas palavras sombrias de Adorno, "nenhuma história universal leva da selvageria ao humanitarismo, mas há uma que leva do estilingue à bomba de megatoneladas".
Este texto argumenta que, enquanto a Teoria Crítica forneceu o diagnóstico definitivo da dominação pela razão instrumental, é o anarquismo social que oferece a práxis política, a visão construtiva e a base ética necessárias para superar essa aporia, movendo o projeto emancipatório do pessimismo analítico para a transformação concreta.
Publicado em 28/10/2024
A tradição filosófica dominante na Europa até o início da modernidade estava profundamente enraizada na ideia de um mundo além do sensível, um reino de essências imutáveis e substâncias eternas que seriam os verdadeiros objetos do conhecimento. Nessa visão, o movimento e a transformação no mundo fenomênico eram vistos como meras aparências ou como parte de um ciclo predeterminado que não afetava o ser das coisas, sempre idêntico a si mesmo. Essa perspectiva estática começou a ser desafiada com o advento de formas mais dinâmicas de entender a realidade, culminando na filosofia idealista de Hegel.
Publicado em 20/03/2024
Quando Errico Malatesta escreveu A Organização I (1897), não estava apenas respondendo a debates internos do anarquismo europeu. Estava tocando num nervo que até hoje paralisa parte do movimento: a confusão entre organização e autoridade. A recusa da organização, vista como garantia contra a tirania, torna-se, ironicamente, um álibi para a inação e, pior, para a reprodução espontânea de hierarquias ocultas.
É preciso colocar isso em chave dialética. A crítica de Malatesta se move entre polos: por um lado, a necessidade ontológica da organização como condição da vida social; por outro, o perigo de cristalizar essa necessidade em estruturas autoritárias. O anarquismo, para ele, não é a negação da organização, mas a construção de sua forma libertária.
Publicado em 11/09/2023
Karl Marx, em sua análise da sociedade capitalista, parte da relação entre proprietários e não proprietários dos meios de produção para caracterizar a formação das classes sociais. Essa divisão, segundo ele, é a primeira forma da divisão do trabalho, onde de um lado estão os trabalhadores, que produzem, e do outro, os proprietários, que se apropriam privadamente da produção. Essa relação de exploração e dominação é o cerne da dinâmica social capitalista, que Marx analisa através da dialética, um método que permite ir além das aparências e revelar as contradições profundas da sociedade.
Publicado em 15/03/2022
O conceito de Aufhebung em Hegel é um pilar da dialética hegeliana que ressoa com a promessa de transformação, mas também levanta suspeitas sob um olhar anarquista. A palavra, intraduzível com precisão, carrega os sentidos simultâneos de negação, preservação e elevação – uma tríade que Hegel usa para descrever o movimento da história e do pensamento. Para Marx, que herda o termo via mediação filosófica, Aufhebung é a chave para entender a transição do capitalismo ao comunismo: a propriedade privada é negada, preservada e elevada a um novo patamar. Mas, para um anarquista, essa noção dialética, tão sedutora em sua promessa de superação, pode mascarar uma armadilha sistêmica que perpetua hierarquias e domestica a revolta. Este texto examina Aufhebung sob uma perspectiva anarquista, questionando sua teleologia e sua compatibilidade com a luta por uma emancipação radical.
Publicado em 13/09/2020
A palavra dialética ronda os círculos da esquerda como um fantasma familiar. Todos a citam, muitos a invocam, mas poucos se dedicam a desemaranhar seus fios históricos. Ela é mais antiga, mais complexa e mais insidiosa do que o “materialismo dialético” de Marx pode sugerir.
Compreender a dialética em sua raiz é essencial para que não reproduzamos, mesmo sem querer, lógicas autoritárias e hierárquicas que buscamos combater. A dialética não é uma ferramenta neutra, mas uma forma de ver o mundo — um hábito cultural enraizado na história do pensamento ocidental, capaz tanto de servir à liberação quanto à dominação.
Publicado em 10/10/2013